sexta-feira, 16 de abril de 2010

Santa Madre

E quando eu acordei, senti umas marteladas na cabeça.
Estava em meu ambiente de trabalho, e Joaquim estava sentado em minha mesa. Aquele filho de uma puta! Certamente isso era coisa dele. Teria me golpeado?
Resolvi não dar bola para isso. Fui embora antes de meu turno terminar. Levantei, peguei minha mochila e fui embora.
Já na porta de saída, troquei algumas palavras com a Wilma e encostei a porta atrás de mim. A cena à minha frente causou-me náuseas: fraturas expostas, gente morrendo, água, muita água. Carros empilhados às margens de um terreno baldio. Sangue.Vomitei, vomitei muito.
Queria sair dali o mais depressa possível. Queria acabar de vez com aquela sensação de pavor. Fui até a casa de meu pai, choramingando feito louco. Eu amava meu serviço; porém, na vida não há, infelizmente, contos de fada. Meu pai me recebeu aos risos, dizendo que eu causei tudo aquilo, e que meu lugar era na rua. Ali não ficaria mais.
Do pouco de dinheiro que me sobrou, fui parar em um hotel daqueles bem beira de estrada. Estava pobre e ferrado. Morei por lá um bom tempo.

Prosseguindo...um dia eu estava indo embora, olhando para as portas do imenso corredor, e bem na hora que eu passei perto, uma delas se abriu sozinha. Curioso, parei e fui olhar o que era. Estava tudo escuro lá dentro, e aquilo me pareceu um almoxarifado. Procurei o interruptor, mas não o encontrei. Fechei a porta e fui embora. Então você pensa: “E daí? História mais besta.”. Pensei nisso também, e me achei ainda mais ridículo por ter continuado com estes pensamentos depois que cheguei em casa e também antes de dormir.

De repente estava lá eu, de novo. Deitado, com fortes dores na cabeça, do lado de Joaquim, que usava meu computador. Mas não era meu trabalho. Era o almoxarifado. “Mas que porra de almoxarifado grande é este que eu não encontro essa merdinha de interruptor?” Comecei a correr, e não alcançava lugar nenhum. Não havia paredes. Não havia mais porta. Não havia Joaquim. “Onde está esse cafajeste? De certo roubou meu computador!”
Tudo escuro e silencioso. Resolvi me esconder para dar um susto naquele canalha.
Não sei quanto tempo ao certo permaneci escondido. Joaquim nunca aparecia...e o nada me invadia. Tomava meu corpo, e eu a cada momento me sentia mais “nada”.
Ele tinha que aparecer! Alguém tinha que aparecer em algum momento. E apareceu...
De repente tudo se iluminou, tudo se tornou mais claro. Não havia nada lá, só luz branca. Tudo bem claro. Essa luz não parecia vir de lugar algum, além do próprio escuro, como se um fundo negro jorrasse luz. E começou a ficar muito forte, muita luz, fechei os olhos e ouvi alguém falando comigo:
- Do que você tem medo, Paulo?

Sei lá eu, porra. Tenho medo de muitas coisas. De ficar pobre, de ninguém me querer, de nunca ser ninguém na vida, de ficar doente e ter que ir pro hospital numa maca, medo de ser assaltado, sequestrado. Mas me diga quem não tem?
Fiquei me perguntando quem seria aquele cara ali, comigo. O que ele teria a ver com minha vida? Não conseguia abrir meus olhos. Poderia eu ter medo dele, também?
Cogitei até a idiota hipótese de estar em um ‘reallity show’, em que eu seria o foco da porra da audiência. Pensei também que poderia ser meu pai. Não agüentei: “Caralho, porra! Se eu quisesse dinheiro, eu pediria emprestado!” Mas ele não respondeu. Permaneceu em silêncio. Não era meu pai.
Então aquela luz começou a desaparecer, mas não ficou totalmente escuro, não. Era algo meio abstrato, eu conseguia ver sua silhueta, via suas mãos até com certa nitidez. Meus olhos já poderiam, aos poucos, serem abertos. Aquilo veio caminhando até a mim, em minha direção, totalmente disforme, parecia ser ele uma ameba. Andava estranho, parecia ter bebido umas trocentas garrafas de gim. Aquela figura negra, grande, torta, fazia as coisas ao redor se contorcerem, bailando ao som de seus passos. Me protegi como uma criança se protege de seu irmão mais velho, com as mãos postas sobre o rosto, espiando por entre os braços o que estaria acontecendo.
Eis que aquela coisa chegou perto de mim e novamente perguntou:

- Do que você tem medo?

Hesitei em responder. Mas, para meu bem, resolvi lhe dizer.

- Tenho medo de ti, negritude. Não sei o que és.

E então a coisa preta começou a tomar forma. Uma aparência mais humana, encolhendo até ficar de meu tamanho. Sim, porque ela era enorme! E a desgraça ficou igual a mim! Tomou a minha forma. No começo pensei que fosse um espelho, mas definitivamente não era.

- E agora, continua com medo?

- Diria que não, porque não sei quais meus pontos fracos, mas você não sou eu e pode se transformar qualquer hora em qualquer coisa! Vai que você se transforma num dragão! Num cisne gigante! Num mamute esmagador de ossos! O que você quer?


- Quero que veja uma coisa.

Nesse momento eu parecia ser teletransportado, ou abduzido, sei lá como se diz. E não tem como eu explicar a sensação, algo muito, muito estranho! É como se cada pedaço de seu corpo estivesse sumindo, pequenos fragmentos, mas ao mesmo tempo você já está se recompondo! Os sentindo de novo em outro lugar, se unindo, porque é tudo muito rápido. A essa altura, eu já estava pensando que extraterrestres me encontraram me usaram como cobaia de teste de humanos. Mas eu? Eu não tenho absolutamente nada de especial. De uma forma ou de outra, eu só podia estar passando por um teste mesmo. Aquilo tudo só podia ser algum tipo de teste.

Minha cabeça doía de novo. Mas que merda! Eu não estava sangrando. Quando o teletransporte terminou, eu me vi numa casa. Era bem simples, limpinha, bem organizada, aconchegante. Se me permite comparar, era exatamente o contrário da minha, que era verdadeiramente uma zona. A grande ameba tinha sumido. Como não sabia o que fazer, sentei e esperei. É o que eu costumo fazer quando não sei como agir. Não demorou muito e uma mulher entrou pela porta, dizendo:

- Oi, meu amor! Cheguei!

Estava eu me sentindo um invasor. De quem seria aquela casa? Com quem ela estaria me confundindo? Ela veio em minha direção. Que mente insana...levantei e fui em direção à porta, ao seu encontro. Ela passou por mim, bem no meio! Como pode? Como fez isso? Aí e fiquei realmente assustado. Pensei estar morto. Tinha a certeza de ter morrido, pois não haveria outro jeito de alguém me atravessar assim. Fiquei desesperado. E nada daquela maldita ameba aparecer.
Uma sensação de poder e ego me invadiu. Eu já tinha morrido mesmo, o que eu poderia fazer? Simplesmente o que eu quisesse! Comecei a passar por tudo. Notei que eu não atravessava objetos, as pessoas é que me atravessavam. Uma criancinha, menininha linda, lá pelos seus 8 anos, veio correndo e também passou por mim. Era filha da mulher da casa.
Até então eu não havia parado para prestar atenção nas pessoas. Resolvi entender o que estava acontecendo. Foi quando a minha música predileta tocou. Aquela banda de rock que eu tanto prezava! Todos pareciam bailar ao som dos Ramones. Lá estavam pessoas que eu briguei outras épocas, ainda menino, depois adolescente, jovem, até Joaquim estava por lá! Parecia que naquele momento eu ia explodir, tamanha era minha raiva. Não entendo o que o negritude queria que eu visse, afinal. Pronto, eu já tinha visto aquela cambada de “fi’daputa”, já podia me retirar do aposento.

Talvez ele me deixasse ali para sempre, tentando agredir aquelas pessoas sem conseguir nem ao menos toca-las.Queria que eu visse como teria sido minha vida se eu não tivesse terminado com tudo, brigado com todos. Queria que eu mascasse o amargo da vida pro resto dos meus dias!

Então eu acordei.

Nossa, cara! Que sonho mais estranho... acordei e minha cabeça já estava doendo. Levantei e fui tomar água, a cabeça latejando. Procurava um comprimido pra dor quando senti uma fisgada e comecei a afundar, cair. Ficou tudo preto de novo, mas dessa vez eu apaguei.

- Paulo, Paulo! Está tudo bem? Acorda, Paulo!

Vozes e cheiros familiares não me ajudavam a lembrar onde eu estava. Depois de um tempo, a visão retornou. Estava no hospital, numa cama. Wilma falava comigo. A cabeça ainda doía.
Era a Wilma!

- Oi, Wilma.
- Oi, Paulo! O que aconteceu com você?
- Sei lá, acho que eu desmaiei.
- Disso eu sei. Mas o que você estava fazendo?
- Ah, eu ia tomar uns remédios. Minha cabeça estava doendo..e por sinal, ainda está.
- Mas no almoxarifado?
- Hã?
- O pessoal da limpeza encontrou você jogado lá.

A cabeça que já estava doendo, começou a rodar. Eu não entendia nada. Tinha sonhado que estive lá, não tinha? Mas então sonhei que fui pra casa e dormi e sonhei com a ameba? Nada fazia sentido algum. Esperei alguns minutos, disse a Wilma que já estava bem e saí. Era quase meio dia, estava com bastante fome. Por garantia, fui embora pela porta dos fundos do meu trabalho, para não passar pela tal sala de novo e encontrar com o bendito Joaquim.
Não estava a fim de fazer comida, então pedi um lanche. Meditei enquanto mastigava o hambúrguer. Eu queria respostas, queria saber o que realmente aconteceu, a razão daquilo tudo. Concluí que aquilo não podia ser verdade, era só um sonho. Desejos não expressos, gravados no subconsciente.
Fui pra casa tomar um banho. Entrei no banheiro e não tinha sabonete, corri até a despensa buscar um. Quando abri a porta, minhas vistas escureceram de novo e eu caí de joelhos. O mal estar passou e eu me levantei. Estava no mesmo lugar estranho do sonho de novo. O que decerto é lugar nenhum. A ameba apareceu de novo:

- Oi, Paulo. Aquilo ontem aconteceu mesmo. Peço desculpas por não dar um tempo pra você pensar.

- Pensar o quê? Já sei qual é a sua. Você é meu cérebro tentando me sabotar.

Aquela coisa ficou parada olhando pra mim com cara de quem não estava pra brincadeiras, muda. Então eu disse:

- Tudo bem. O que você quer, agora? Refleti sobre tudo e não cheguei a conclusão nenhuma, porque a minha conclusão estava errada.

- Você quer tentar?

- Tentar o quê?

- Ora, tentar ficar com seus parentes de novo. Sua vida de novo.

- Quero... Quer dizer, não! Não posso.

- Por quê?

- Somos diferentes.

- Não gostou do que viu? Você, com seus filhos?

- Filhos?...Ah, sim, claro que gostei! Mas o que eu posso fazer? Nem sei por onde ela anda!

Aquela sensação de teletransporte começou quando fiquei inteiro novamente. Sentei-me numa murada baixinha, que cercava um jardim.

- Pronto, agora você já sabe.

Acordei. Caído na despensa, minha cabeça doía pra burro. Peguei o sabonete e fui para o banheiro. Não aguentei, quando abri a porta, acabei desmaiando.

- Paulo, Paulo, está tudo bem? Paulooo, acorda!

Alguém tinha me achado e me levado pro hospital. Wilma estava lá outra vez.

- Wilma, não era pro Adriano estar aqui? Você está fazendo muitas horas extras. Estou com uma dor de cabeça infernal, desmaiei de novo. Quem me trouxe pra cá?

- Ué, Paulo. Ainda estou no meu turno. Olha, foi o pessoal da limpeza que te achou.

- Pessoal da limpeza? Na minha casa?

- Acho que você sonhou bastante, hein? Você nem foi pra casa, meu bem. Desmaiou no almoxarifado. O que você estava fazendo lá?

- Que horas são?

- Hmm... Quase meio dia.

- De que dia?

- 31 de janeiro.

- Tenho que ir, Wilma. Obrigado pelos cuidados.

-É nosso serviço, né, Paulo? – e riu.

Amaldiçoei aquela ameba filha da puta. Por que diabos me mostrou tudo aquilo? Pra me fazer de idiota? Minha cabeça começou a rodar, então senti o baque. Rolei, caí. Sentia o gosto de sangue na boca, não sentia meu corpo, não conseguia enxergar.
Acabei voltando ao hospital. Quando acordei, me contaram que eu tinha sido atropelado e batido a cabeça muito forte. Alguém conversou comigo e depois me trouxe pra cá. Hoje estou bem.
Essa é minha história, seu Lucas.

- É uma grande história, senhor Paulo. Serei seu médico a partir de agora. Bem-vindo ao Sanatório Santa Madre.

quinta-feira, 15 de abril de 2010



“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”




"O que será que sustenta minha moradia interna? E quem pode suportar esse edíficio de pedras que eu sou?"





[Clarice Lispector]

quinta-feira, 8 de abril de 2010

- Parece que hoje o tempo está perfeito. Sol e frio, e não está chovendo! Há quatro anos que moro aqui e nunca vi a cidade tão linda.

- Você gosta de São Paulo, não é mesmo?

-Ah, hoje sim. Mas detestava o lugar quando me mudei.

- Amor e ódio são vizinhos.

- Hum.

- Você conhece a fama da cidade?

- Que fama?

- Dizem por aí que sempre que alguém mora aqui e vai embora, acaba voltando depois.

- Bom, pode ser...Minha mãe é um exemplo disso. Talvez até eu seja também, algum um dia. Mas não sei quando vou sair daqui, muito menos quando voltarei.

- Não quer sair?

- Até quero. Viajar, conhecer outros locais, sim. Só acho que sempre voltarei pra cá, assim como para a cidade que vivia antes de vir, e como as outras em que ainda vou morar.

- Você é muito apegada aos lugares...

- Acho que crio um elo. É que... Sabe, depois de um tempo morando num lugar, um tempo considerável, quatro anos é considerável, não é? Depois desse tempo, fica tudo tão familiar! Tão seu, que é difícil largar. Tudo fica finalmente organizado do seu jeito, aquele tipo de coisa que você olha e sabe que tem uma mão sua ali. Você sabe quando a bagunça foi você quem fez.

- Sei, mas não gosto. Quando chega a esse ponto, entedio-me. E vou morar em outro canto.

- E aí passa a ter raiva?

- Não, mas não tenho vontade de visitar um lugar que abandonei.

- E as sensações?

- Quais?

- Cada lugar dá sensações diferentes a alguém. Nunca sentiu isso? Principalmente você, que troca tanto de cidade.

- Não, pra mim é tudo igual. Deve ser por isso que não faço questão de voltar a qualquer lugar que morei.

- Como eu disse, depois de certo tempo, como quatro anos, as sensações voltam. Por exemplo, algumas eu só tinha na primeira cidade em que vivi. Por causa do clima, pessoas ao redor, situações. E sentia saudade delas quando saí de lá, porque as sensações que eu passei a ter eram diferentes, e eu considerava estas piores, por isso tinha raiva daqui. Mas com o tempo, aquelas voltaram. E passei a ter aquelas e estas no mesmo lugar. Se eu me mudasse hoje, teria outras novas, até que as antigas voltassem. Entende?

- Caraca, que complicado isso! Fiz um esforço, porque eu me sinto igual em qualquer lugar. Praia, cidade, interior. Tudo igual.

- E as mulheres? Também são iguais?

- Como assim?

- Você se muda com frequência. As mulheres de cada lugar também são iguais para você?

- Hmm... É muito relativo. De algumas me lembro, outras se vir, não saberei quem são.

- Você não as associa às cidades? Uma mulher que você gosta àquela cidade tal, e então passa a ter gosto pelo lugar?

- Não, nunca foi assim. Porque sei que há mulheres diferentes, esperando-me em outras cidades por aí. Algumas me marcam mais, mas não significa que elas são melhores, apenas diferentes.

- Então são todas iguais, porque apesar de diferentes, nenhuma fez a diferença na sua vida.

- É. Pode ser.

- Espero que se um dia a fama da minha cidade se aplicar a você também, e se eu for pelo menos diferente, que você volte a me ver. O dia está lindo e eu tenho que aproveitar.

- Até mais ver.

- Até.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dia do Jornalista



Se você é jornalista, meus sinceros parabéns. Hoje, 07 de abril, é nosso dia. Profissional ou estudante, sinta-se saudado.

Jornalista - Profissão esta muito desgastante e repleta de responsabilidades.

Seja repórter, editor, jornalista fotográfico, investigativo, apresentador, âncora, locutor, videorreporter, correspondente, assessor de imprensa, freelancer, colunista, pauteiro, redator, ou até mesmo 'jornaleiro'... : Somos "clínicos gerais", visto que nossa área de atuação é extremamente vasta.

Escrevemos e reescrevemos a cada segundo de nossas vidas. Atualizamo-nos a cada minutinho para que nada passe despercebido. Não paramos de pensar em momento algum. Para alguns, somos os "arquitetos das letras", escrevendo de modo que a notícia alcance à todos, na mesma proporção.

O jornalista pode não ter sua profissão reconhecida por diploma; porém, possui um modo de vida, de "fazer" sem precisar de receita, apenas de argumentos e fatos. Montamos frases como quem monta um quebra-cabeças. Não trabalhamos somente para informar, mas para questionar, duvidar e procurar a verdade onde quer que ela esteja.

Portanto, este dia é nosso. Dedico este post à todos os jornalistas que buscam a veracidade das informações, transformam a realidade e mudam vidas. Afinal, em qualquer parte do mundo, nós, profissionais ímpares, teremos sempre a necessidade de saber "O que? Onde? Quando? Como? E por quê?"

E para comemorar, hoje tenho aula de radiojornalismo o/

PS: O Dia do Jornalista é comemorado no Brasil no dia 7 de abril, em homenagem ao médico e jornalista João Batista Líbero Badaró.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

E o que encontrou em sua gaveta foi uma caneta azul.


Sorte. Estas frases por caneta escritas jamais poderão ser apagadas, ainda mais se utilizada com a força do punho.As lágrimas escorrem, transformando o azul, agora mais forte. Meus olhos não enxergam; nada posso ver. Tenho medo de piscar. Se piscar, tudo some. O que sumirá? Temor do que vai aparecer. Além do mais, isso pode afetar não somente as letras que agora emolduram meus pensamentos no papel, como também as fará sumir.

Não quero ficar sem ver. Não o breu. Quero abrir os olhos, quero enxergar.

Agora o papel está azul, e nada diz.

Minha mão não segura mais a caneta.
A caneta será novamente guardada na gaveta. O resto está guardado no silêncio.



[Partindo de Nando Reis]

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Risco de Bullyng

Resolvi mudar mais uma vez o visual. Cansei de meus fios fracos e de pontas duplas.

Logo pela manhã, sem avisar a ninguém do que eu iria fazer, segui para um salão de cabeleireiros. Disse ao rapaz que queria inovar. Ficar “absoluta”- termo chulamente usado para explicar que queria ficar bem. Boa. Bem boa.
Cortei as madeixas até aonde os fios estavam repicados. Vi cair ao chão mecha por mecha, que agora não mais pertenciam a mim. Meu cabelo, antes comprido e lindo, prestes a ser jogado no lixo.

Encarei no espelho uma pessoa que não parecia ser eu. Cabelo curto, castanho-claro (resultado da tintura anterior que passei na tentativa de ficar com o tom original – loiro que só eu tenho) e com umas mechas resultado da mistura de cores.

Não gostei. Detesto cabelo curto. Não me vejo assim desde meus 6,7 anos, que cortei estilo “Joãozinho” na escola. Cabelo curto faz a mulher perder a feminilidade; além do mais, é tão legal joga-lo de um lado para o outro, inventar penteados, etc! Mas agora já era tarde. Estava curto.
Fiz um último apelo ao meu atendente, cabeleireiro que por sinal era uma ‘biba’ muito simpática:
- Moço,meus pais não sabem que estou aqui. Meu namorado também não. Aliás, ninguém sabe. Meu chefe não sabe o motivo pelo qual estou atrasada. Não quero chegar com esse cabelo em lugar nenhum. Vou morrer de vergonha. Tenta arrumar, por favor!
-
Ele, meio sem jeito, disse que poderíamos pintar de outra cor para dar mais vida aos fios.
Ah, tudo bem...o que seria um peido para quem está cagada, né? Topei. Pior não ficaria.

Me perguntou cores que poderia misturar, que seriam de meu agrado.
- Moço, já pintei de roxo sem querer. Também já foi verde, laranja, amarelo, loiro (há uma grande diferença entre amarelo e loiro), castanho-escuro, castanho-médio, castanho-claro, preto, dourado, cor de burro-quando-foge, beterraba, caqui, kiwi, morango, e todas cores de frutas possíveis para defini-lo como uma salada.

Cara de espanto. Ele riu.
- Bom, gosto do rosa, o que acha?

Na verdade eu não gosto, mas foi o que me veio à cabeça. Não seria uma má idéia. Mas não queria por no cabelo todo, é claro.

Comecei pela nuca. Ele pintou os curtos fios (raiva) de rosa. Rosa claro...foi passando, passando. O cheiro de tinta era insuportável. Penetrava por entre minhas narinas, eu já em um estado de suplício para que aquilo terminasse de uma vez por todas.
Para a parte de cima solicitei um preto. Negro, bem escuro. Preto-azulado.

O resultado foi estranho. Mais estranha ainda foi minha cara ao ver o “que” eu me tornei. Cabelo curto, colorido. Tão feia!

Ao caminhar pelas ruas aconteceu o que relatei no post anterior. E como essa já é outra história, vou seguir relatando este trágico acontecimento.

Pessoas me olhavam. Sentia-me sendo constantemente observada. Como será que me receberiam em meu trabalho? Olhares curiosos sobre mim vindos de todas as partes.

Ao tocar a campainha de meu escritório, eis a primeira reação:
-Noooooooooooooooooooooooooossa ! Nem acredito que é você !

Fiz cara de merda. Queria desmaiar e acordar com meu cabelo normal, pois mesmo com todas as químicas e tinturas, ele estava normal até 50 minutos atrás.

Subi as escadas. A cachorra que sempre me recepciona parecia me esnobar. Seria ela uma preconceituosa para com pessoas de cabelos curtos ou adeptas de tinturas?

Minhas unhas pretas e longas não eram mais o problema. O problema era encarar as reações que estariam por vir. Cabisbaixa, sentei em minha cadeira. Ufa! Ninguém no andar de cima.

Alguns por sorte, quando chegaram, não comentaram nada, apesar de eu ter notado os olhares estranhos, de pena e risos no canto da boca.

A secretária, para ajudar em minha auto-estima, indagou:
-Menina, porque você fez isso no seu cabelo? Você é louca? Ele era tão lindo! Uma pena...

A vontade que tive foi dar dedo do meio. Dei de ombros e continuei a fazer meu trabalho.

Agora cá estou eu, digitando em minha sala, sentadinha em minha mesa, com minha inseparável caneca de café. Ela é a única que não muda.

Não vou mudar minha foto do Orkut, nem de nenhuma rede social. Será um tal de “Fêêêêêêêêê o que você fezzz” que não quero nem ver. Deixarei para segunda-feira o restante das reações. Prefiro pagar à prestação, pois assim o arrependimento vem em parcelas.

Espero somente que o coelhinho da Páscoa não me confunda com a Noiva de Chucky e não me deixe seus ovinhos...

Estou ansiosa para saber a reação de meu namorado. Será que ele vai me largar? Vai gostar? Vai me rejeitar pro resto da vida, ou até meu cabelo crescer novamente? Talvez quando o rosa desbotar, ou o preto for saindo da raiz. Será que ainda estou bonita para ele? Ele disse que para ele eu sempre sou a mais linda. Isso será um teste.

E quanto aos meus pais? Como aparecer amanhã em casa? Por sorte hoje vou dormir com meu namorado. Amanhã será o grande dia. O dia da verdade.
Meu pai vai entrar em choque e ainda há a chance de bullyng na faculdade.
Isto é o preço a que se paga por querer inovar.












Caiu, caiu, 1º de abril !!!
Feliz Dia da Mentira. Hoje já inventei 1.000 histórias para todos que encontro, e não poderia esquecer de meus queridos leitores. Me divirto com isso!

Estava eu novamente mergulhada em pensamentos, observando a tudo, e ao mesmo tempo tão distante. Caminhava sem pressa, mesmo atrasada.

Eis que uma cena me fez voltar.

Bem ali, frente a uma loja “Ponto Frio” da Av. Paulista, um “Sr. Mendigo”, lá pelos seus 70 anos, olhava com curiosidade uma televisão grande, LCD. Aquilo me trouxe para o “mundo”. Aquele homem poderia jamais ter visto algo parecido. Cores, sons, imagens, tão grandes, tão perfeitas, tão bem reproduzidas!

Mergulho novamente em meu mundo. Com aquele senhor de protagonista, tento imaginar os supostos pensamentos que ele teria naquele momento. Tão bestificado pelo equipamento...

Pensamento 1 – Nunca vou ter isso...

Pensamento 2 – Será que um dia poderei comprar uma dessas para mim?

Pensamento 3 – Quanto teria que ganhar nas ruas para comprar uma destas?

Pensamento 4 - Pra que tudo isto?

Pensamento 5 – Como é linda....quantas cores!

Pensamento 6- Por quanto poderia vender uma dessas caso a levasse embora? ( hahah vai saber, né..)

Pensamento 7- Estou com fome.

Pensamento 8 – Como as pessoas são tontas. Gastar dinheiro com isso. Para que?

Pensamento 9 – “sem pensamentos”.


Como estamos avançados. Como outros tem tão pouco...

Como progredimos na tecnologia! Como outros não sabem nem escrever?

Como somos saudáveis! Há quanto tempo será que aquele homem não come?

Estamos tão felizes! O que será que proporciona a felicidade para aquele senhor? Esmolas recebidas?

Como explicar estes desajustes sociais?

Economia para poucos?


Me afogo.